A VIDA

quarta-feira, 25 de março de 2009

Sistemas lógicos nos entediam. Rejeitamos moralismos. Bocejamos com pieguices. Suspeitamos das ideologias. Tememos demagogias. Rechaçamos totalitarismos. Fugimos das intolerâncias.
Chamamos o pão que nos alimenta de dignidade. A água só nos hidrata quando borbulha com afeto. Não queremos tratados, basta-nos um ombro. Pagamos exorbitâncias para que alguém nos ouça com um rosto amoroso. Corremos qualquer distância para assistir ao poeta em êxtase. Amamos palcos, telas, picadeiros. Enriquecemos o artista. Rebelados contra os grilhões da imanência, ambicionamos por transcendência. Magia, fantasia, ficção, tudo nos encanta. Dêem-nos parábolas e compreenderemos o Reino Eterno. Fábulas nos municiam de critérios éticos para a próxima escolha. Tramas e enredos de novelas, romances e contos, ensinam o amor, a vingança, o ciúme, a bondade.
Para nos manter, dependemos de abraços, sussurros, pele, suor, olhares. Não esperamos explicações sobre o Divino, preferimos degustá-lo. Entre a possibilidade de entender o Grande Mistério e ser mergulhado em sua presença, mil vezes optamos por um batismo de amor. Concebidos na paixão, aspiramos sentimentos. Alimentados por seios, crescemos atraídos pelo belo.
Cores nos inebriam, brilhos nos entusiasmam, trevas nos adormecem. Equações matemáticas explicam a métrica da melodia. Compassos organizam anarquias. Canções nos embevecem. Organizamos orquestras para perpetuar o magnífico. Executamos o jazz para enaltecer o improviso. Criamos, imitamos o Criador.
Não só existimos, vivemos!Soli Deo Gloria

Vi os desenhos e gostei!

sexta-feira, 13 de março de 2009

Tesouros no Ceu

O Filho Prodigo

O deus que não é Deus

Existe um deus que não é Deus. O único com força para enfrentar a Deus. Esse deus não vive em alguma dimensão cósmica ou ponto do universo. Seu oratório é a mente humana. Ele é um deus familiar, pois vive nos espelhos da alma. Mesquinho, cobra desempenhos impossíveis. Inclemente, castiga as inadequações dos fracos com fúria. Ofendido por uma pessoa, dizima gerações inteiras. Imprevisível, age com um humor indetectável. Existe um deus que não é Deus. Capaz de ofuscar o próprio Deus, misturou-se em todas as religiões. Sanguinário, exige sacrifício para estender a sua compaixão. Impassivo, privilegia os eleitos e condena o resto. Indiferente, descarta a prece da criança quando não se encaixa em seus propósitos. Distante, volta as costas para os miseráveis em nome da coerência. Existe um deus que não é Deus. É possível encontrá-lo nos paços sacerdotais, nas leis canônicas, nas teologias que o sistematizaram. Ele vingou na religião e a cúrias já mapearam as suas ações. Sem bondade, ele defende a virtude. Sem graça, faz apologia da verdade. Os cristão sabem que ele existe; já provaram o fel de sua justiça na Inquisição. O homem-bomba de hoje testemunha o seu furor para os muçulmanos. Ele aparece em cada campanha de oração pentecostal para mostrar como é difícil ganhar o seu favor.
Existe um deus que não é Deus. Ele é uma divindade que não suporta ver Jesus almoçando com pecadores, bebendo vinho perto de mulheres suspeitas, elogiando pagãos ou prometendo o Paraíso para gatunos. Esse deus precisa desaparecer, pois é um ídolo malvado. E só com a sua morte nascerá o Salvador.
Soli Deo Gloria.

O filão religioso

terça-feira, 10 de março de 2009


As Casas Bahia disputam o mesmo mercado que a Magazine Luiza. As duas lojas se engalfinham para abocanhar o filão dos eletrodomésticos, guarda-roupas de madeira aglomerada e camas de esponja fina. Buscam conquistar assalariados, serralheiros, aposentados e garis. Em seus comercias, o preço da geladeira aparece em caracteres pequenos, enquanto o valor da prestação explode gigante na tela da televisão. A patuléia calcula. Não importa o número de meses, se couber no orçamento, uma das duas, Bahia ou Luiza, fecha o negócio - o juro embutido deve ser um dos maiores do mundo.
Toda noite, entre oito e dez horas, a mesma lengalenga se repete nos programas evangélicos. Pelo menos quatro “ministérios” concorrem em outro mercado: o religioso. Todos caçam clientes que sustentem, em ordem de prioridade, os empreendimentos expansionistas, as ilusões messiânicas e o estilo de vida nababesco dos líderes. Assim, cada programa oferece milagres e todos calçam suas promessas com testemunhos de gente que jura ter sido brindada pelo divino. Deus lhes teria abençoado com uma vida sem sufoco. Infelizmente, o preço do produto religioso nunca é explicitado. Alardeia-se apenas a espetacular maravilha.
Considerando que a rádio também divulga prodígios a granel, como um cliente religioso pode optar? Para preferir uma igreja, precisa distinguir sobre qual missionário, apóstolo, pastor ou evangelista, Deus apontou o dedo. E se tiver uma filha com leucemia aguda, não pode errar. Ao apelar para uma igreja com pouco poder, perde a filha. O correto seria freqüentar todas. Mas como? Em nenhuma dessas igrejas televisivas o milagre é gratuito ou instantâneo. As letrinhas, que não aparecem na parte de baixo do vídeo, afirmariam que, por mais “ungido” que for o missionário, um monte de exigência vem embutida na promessa da bênção. É preciso ser constante nos cultos por várias semanas, contribuir financeiramente para que a obra de Deus continue e, ainda, manter-se corretíssimo. Um deslize mínimo impede o Todo Poderoso de operar; qualquer dúvida é considerada uma falta de fé, que mata a possibilidade do milagre.
Lojas de eletrodoméstico vendem eletrodoméstico, óbvio. Igrejas evangélicas comercializam a idéia de que agenciam o favor divino com exclusividade. E por esse serviço, cobram caro, muito caro. Afinal de contas, um produto celestial não pode ser considerado de quarta categoria. A "Brastemp" espiritual que os teleevangelistas oferecem vem do céu. O acesso ao milagre se complica, porque todos mercadejam o mesmo produto. Os critérios de escolha se reduzem a prazo de entrega, conforto e garantia. Opa, quase esqueci! As lojas, em conformidade com o Código do Consumidor, são obrigadas a dar garantia, mas as igrejas evangélicas não dão garantia alguma. O cliente nunca tem razão. Quando a filha morrer de leucemia, o pai, além de enlutado, será responsabilizado pela perda. Vai ter que escutar que a menina morreu porque ele “deu brecha” para o diabo, não foi fiel ou não teve fé.
Mercadologicamente, Casas Bahia e Magazine Luiza estão bem à frente das igrejas. Melhor assim, geladeira nova é bem mais útil do que a ilusão do milagre.Soli Deo Gloria.

Um furacão e três países.

segunda-feira, 2 de março de 2009

Uma perguntinha, só uma: por que a mesma tempestade produziu diferentes sofrimentos a três países? O furacão Ike massacrou os indefesos haitianos e matou gente muito, muito miserável; depois, só castigou os cubanos que padecem com a anacrônica economia castrista. Quando chegar ao solo americano rico, os texanos estarão bem preparados para se defenderem de suas rajadas. Com eficientes programas de evacuação o povo vai poder se safar de sua ferocidade. E as residências, construídas de acordo com as rígidas legislações, terão grandes chances de suportar o açoite do Ike.
Quero saber. Haitianos são mais pecadores que cubanos e americanos? Se não, por que sofrem mais? Que justiça explicaria diferentes sortes diante de um fenômeno da natureza? Quando acontecem terremotos de uma mesma magnitude, os que agonizam debaixo da pobreza padecem mais. Insisto, quero saber o por quê.
Questiono, porque assisti o telejornal e me senti péssimo quando vi multidões padecendo. Simultaneamente no Haiti e na Índia mulheres e crianças esfomeadas corriam para receber comida com água na cintura. Quero conexões que façam sentido na minha alma; preciso organizar minha espiritualidade e fé. As respostas que me deram não me aquietam, já não satisfazem...
Por enquanto, a resposta que faz algum sentido é que o sofrimento assimétrico do Haiti, Cuba e Estados Unidos não tem nada a ver com Deus, mas com a injustiça, com a má distribuição da riqueza e com os processos históricos que fragilizaram duas nações e fortaleceram a outra.
Vivemos em um mundo com tempestades, terremotos, secas e tsunamis. Sei tão somente que, caso fôssemos solidários, menos provincianos e mais cidadãos do mundo, a sorte desses miseráveis não seria tão cruel.
Site consultado Ricardo Gondim

Finitude, Pecado, Fuga

Não sabemos lidar com a nossa condição humana, limitada, inadequada, e sempre ambígua. Procuramos nos entender e nos perdemos. Por que nos inquietamos com o vício e nos encantamos com a virtude? De onde arrancamos a idéia do certo e do errado? Em Serra Leoa, milícias rivais se enfrentam há décadas decepando mãos, braços e pernas de mulheres, crianças e idosos. Por quê? A panela de pressão étnica explodiu entre Tutsis e Hutus em Ruanda na década de 1990; em 45 dias, cerca de oitocentas mil pessoas foram chacinadas. Em 2008, a barbárie de Ruanda se transferiu para o vizinho Congo com as mesmas mortes absurdas. Impotentes, não reagimos. A invasão do Iraque pelo governo Bush custou no mínimo 3 trilhões de dólares. Calcula-se que tenha matado mais de um milhão e duzentos mil civis – numa população de 29 milhões – entre março de 2003 a agosto de 2007. Ninguém será responsabilizado?
Diante desses horrores, ouve-se um simplismo: “O ser humano é inviável”. Despautério. A história tem tanta, mas tanta, carnificina que se fôssemos mesmo inviáveis, já teríamos desaparecido como os dinossáuros. Nos reiventamos nas tragédias, ressurgimos das cinzas. A força do bem, embora frágil, ainda é maior que o poder do mal. Por isso, continuamos por aqui.
A humanidade oscila entre extremos e o pêndulo nunca desacelera. Hora desce à perversidade mais profunda, hora atinge o topo da escala da virtude. As violências topam com as contrapartidas humanitárias; os cinismos, com os engajamentos comunitários; as corrupções políticas, com as mobilizações populares. Negros ainda sofrem preconceitos, mas numa escala geometricamente inferior que duzentos anos atrás. Depois de muita luta, mulheres conquistaram o direito de votar e governar.
Porém, agudizar as inadequações humanas é um jeito bom de fugir do dever de construir a história. Ao considerar a humanidade irremediavelmente perversa , o mal se torna inevitável. Se corpo, terra e mundo são intrinsecamente ruins e nossa existência, uma masmorra fétida que aprisiona o espírito, fica fácil explicar a maldade. Basta afirmar que os seres humanos nascem desfigurados e contaminados com uma lepra existencial chamada de pecado. Herdeiros de monstruosidades, somos merecedores de castigo eterno desde que nascemos.
Esse mecanismo de fuga é poderoso, usado pela filosofia e teologia muitas vezes (Agostinho, Anselmo, Pascal). Mas, quanto mais íngrime se considerar a ladeira da decadência humana, menor a responsabilidade. Com a inexorabilidade do mal, justifica-se qualquer ação. “Nascemos assim, somos assim; cachorro não late para ser cachorro; late porque é cachorro; as pessoas não são pecadoras porque pecam, pecam porque são pecadoras”. Com esses pressupostos, o ódio se torna inevitável e o bem, complicadíssimo. É confortável afirmar que o código genético do espírito padece de uma síndrome que perpetua o pecado.Noite passada tive um sonho em que eu me rodeava de pessoas parecidas comigo na beira de um precipício. Todos falávamos juntos, repetindo desculpas e nos desmerecendo. Eu projetava na minha índole, raivas e viganças. Na ânsia de justificar petulâncias, transformava ancestrais em bodes expiatórios. Chegava a responsabilizar um bisavô pelo vício deselegante de palitar os dentes na mesa.Para não me encarar, tentava desmerecer Adão e Eva. Procurava, transformá-los em precursores da Gestapo, ideólogos do garrote inquisitorial e pistoleiros profissionais. Dizia que a Árvore Proibida me aleijara. Como não conseguira lidar com a minha própria maldade, projetava em Deus “A Grande Culpa”. Eu falava com zanga: “Afinal de contas, não pedi para nascer deformado; não tenho como reverter a natureza que herdei; não posso fazer o bem”.
Murmurava: “melhor cruzar os braços e deixar rolar para ver como é que fica”. Neste momento, alguém me acenou do outro lado do abismo. De mangas arregaçadas e inconformado, gritava: “A maldade não é sina”. Por três vezes, repetiu: “É possível frear o avanço da morte; vale a pena lutar”. Ele tinha cicatrizes nas duas mãos. De repente, cobrou a minha atenção para uma lenda talmúdica: “Em cada cada geração, vivem 36 pessoas justas que são o alicerce do mundo. Eles são os “santos ocultos”. Ninguém os conhece ou poderá elogiá-los, mas é graças às suas ações anônimas que a terra se torna um lugar mais habitável e decente. Pare de justificar-se, una-se a eles”. Acordei dizendo que vou tentar.

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